As aventuras de Pi
Deus existe? Como posso provar, racionalmente, a existência de Deus? A
busca por respostas a estas perguntas gerou intensos debates filosóficos.
Vários teólogos cristãos dedicaram-se a buscar provas racionais da existência
de Deus sem precisar apelar à fé. O fruto deste esforço é visto em algumas
teses, como a dos argumentos cosmológico, ontológico ou o teleológico (representado hoje
pela Teoria do Design Inteligente).
Contudo, quem já tentou dialogar com um ateu consistente sabe como é
frustrante usar estes argumentos. Não é que eles sejam ruins, eu,
particularmente, considero-os válidos. Mas, para a alma racionalista, sempre
haverá uma explicação que exclua Deus do Universo. Por outro lado, a alma
crédula enxergará Deus em tudo o que vê.
É o que mostra o filme "As Aventuras de Pi". Desde a infância,
Pi Pattel acredita em todo tipo de Deus. Lê revistas em quadrinhos com as
histórias dos deuses hindus. Entra em uma igreja católica e encanta-se com as
histórias sobre Jesus e não entende como Ele pode sofrer a condenação eterna no
lugar de homens pecadores. Passa por uma mesquita e deslumbra-se com o ritual
das orações islâmicas. Ingenuamente, Pi acredita em tudo e tenta viver de
acordo com todas as religiões que conhece.
Enquanto isso, seu pai, Santosh Pattel, é um homem que acredita apenas
na razão. Decepcionado com a religião hindu, Pattel conclui que a grandeza do
Ocidente repousa na razão e na ciência. Empreendedor e bem-sucedido, Santosh
tenta destruir a ingenuidade de Pi, mostrando-lhe como a natureza funciona e os
animais podem ser cruéis. Inicialmente Santosh consegue adormecer a fé em Pi,
mas deixa no filho um vazio que não é preenchido pelo racionalismo.
Até que um desastre muda tudo. Quando Pi deixa a Índia para morar no
Canadá, ele perde toda a família em um naufrágio. Sozinho, ele ainda precisa
dividir seu bote salva-vidas com animais, sendo que um deles é um tigre. E é aí
que Pi e os espectadores do filme podem descobrir um outro caminho que mostra a
existência de Deus.
Sem fé, é impossível reconhecer a
Deus
E o primeiro passo é exatamente o da fé. Se o ateu e o agnóstico só
terão fé depois de terem argumentos racionais, então Deus jamais se revelará a
eles. Como diz o versículo que abre este texto, Deus não se agrada da falta de
fé. Quem quiser se aproximar d'Ele não pode ter dúvidas de que Ele existe.
Quando há fé, porém, a mão de Deus é enxergada nos piores momentos.
Enquanto vê o navio cargueiro que levava a sua família afundar no Oceano
Pacífico, Pi busca forças na esperança de vê-los novamente e confessa esta
crença em meio ao desastre. Nas horas de grande dificuldade ou quando bênçãos
inesperadas surgem, Pi sempre ora e mostra gratidão. Quando Santosh mostrou a
Pi a crueldade da vida pela primeira vez, a fé do jovem indiano vacilou. Mas
quando Pi conheceu a crueldade do mundo em toda a sua intensidade...vendo uma
tempestade levar sua família, tendo que lutar com um tigre por comida,
guardando ansiosamente gotas de água da chuva e até tendo que mudar seus
hábitos alimentares...ele recuperou, com uma intensidade ainda maior, a sua fé
de que Deus (ou deuses) existem.
Para Pi, é impossível entender a sua história sem enxergar pequenos
milagres que o mantiveram vivo. Mas os ateus são como os japoneses no final do
filme. Deus e seus milagres são a fantasia de um jovem, o delírio de um
náufrago. Quando os religiosos contam sobre como Deus os ajudou a enfrentar a
morte ou a doença, o ateu se surpreende em ver como os homens encontram força
em uma mentira.
Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam
abominação, já não há quem faça o bem. (Salmo 14:1)
Há um propósito por trás de todas as
coisas
Mas a fé de Pi é maior do que simplesmente acreditar que Deus existe.
Ele crê em algo maior: que há um propósito divino em tudo o que acontece, mesmo
nas piores peças que a vida nos prega.
Acreditar nisso traz paz em meio à angústia. Impressiona-me ver como o
jovem Pi não explode em um acesso de raiva ou de desespero ao longo do filme.
Não sei você, mas eu explodo com muito menos. Um pneu furado, uma batida de
carro, uma conta que não foi paga e pronto...pode ser o suficiente para que eu
passe o resto do dia deprimido, perguntando ao Senhor o que fiz para Ele me
tratar assim e fique mal-humorado, tendo que me controlar para não descontar em
outros a minha frustração.
Não é que Pi seja um "super-homem". Ele tem altos e baixos.
Mas, mesmo lá, ele não se esquece que tudo tem uma razão de ser. Quando ele não
entende nada e se frustra, ele ora e se rende diante de Deus. Confessa a sua
ignorância sobre a razão de seu desastre e se entrega nas mãos de um Deus que
ele não sabe quem é.
E essa perseverança é recompensada no final, quando Pi mostra a gratidão
mais inusitada de todas. Ele agradece a Deus por ter mantido um tigre com ele
em todo o naufrágio! Reconhece que, sem aquele animal, ele não sobreviveria!
E é aqui que o hindu é mais cristão e reformado do que muitos cristãos
reformados. Se, verdadeiramente, aplicássemos a Bíblia ao nosso dia-a-dia,
seríamos gratos a Deus em todas as situações. Nos momentos de tribulação e nas
perdas, quando Deus nos diz não, entenderíamos que o Senhor quer nos ensinar
algo. Viveríamos com a esperança de que o mal de hoje pode ser o bem de amanhã.
O desespero jamais nos dominaria, porque Deus está no controle de tudo.
Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os
ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que
faz todas as coisas. (Eclesiastes 11:4)
O que Pi não ensina
São belas lições de uma história muito bonita. Entretanto, "As
Aventuras de Pi" não é perfeito. Piscine Pattel sabe que Deus existe e que
seus infortúnios são uma prova disso. Mas ele não sabe quem é o verdadeiro
Deus.
Na verdade, Pi não é um homem de várias religiões, como o filme tenta
mostrar. Ele é e sempre foi um hindu. Quem acredita em 33 milhões de deuses,
pode acreditar em 33 milhões e dois. Quem se vê culpado em várias religiões,
pode acomodar mais uma ou duas em sua cosmovisão. Pode definir-se como um hindu
católico. A miscigenação de fés não é algo estranho para um politeísmo tão
profuso como o indiano.
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