sexta-feira, 8 de março de 2013

As aventuras de Pi


As aventuras de Pi

Deus existe? Como posso provar, racionalmente, a existência de Deus? A busca por respostas a estas perguntas gerou intensos debates filosóficos. Vários teólogos cristãos dedicaram-se a buscar provas racionais da existência de Deus sem precisar apelar à fé. O fruto deste esforço é visto em algumas teses, como a dos argumentos cosmológico, ontológico ou o teleológico (representado hoje pela Teoria do Design Inteligente).
Contudo, quem já tentou dialogar com um ateu consistente sabe como é frustrante usar estes argumentos.  Não é que eles sejam ruins, eu, particularmente, considero-os válidos. Mas, para a alma racionalista, sempre haverá uma explicação que exclua Deus do Universo. Por outro lado, a alma crédula enxergará Deus em tudo o que vê.
É o que mostra o filme "As Aventuras de Pi". Desde a infância, Pi Pattel acredita em todo tipo de Deus. Lê revistas em quadrinhos com as histórias dos deuses hindus. Entra em uma igreja católica e encanta-se com as histórias sobre Jesus e não entende como Ele pode sofrer a condenação eterna no lugar de homens pecadores. Passa por uma mesquita e deslumbra-se com o ritual das orações islâmicas. Ingenuamente, Pi acredita em tudo e tenta viver de acordo com todas as religiões que conhece.
Enquanto isso, seu pai, Santosh Pattel, é um homem que acredita apenas na razão. Decepcionado com a religião hindu, Pattel conclui que a grandeza do Ocidente repousa na razão e na ciência. Empreendedor e bem-sucedido, Santosh tenta destruir a ingenuidade de Pi, mostrando-lhe como a natureza funciona e os animais podem ser cruéis. Inicialmente Santosh consegue adormecer a fé em Pi, mas deixa no filho um vazio que não é preenchido pelo racionalismo.
Até que um desastre muda tudo. Quando Pi deixa a Índia para morar no Canadá, ele perde toda a família em um naufrágio. Sozinho, ele ainda precisa dividir seu bote salva-vidas com animais, sendo que um deles é um tigre. E é aí que Pi e os espectadores do filme podem descobrir um outro caminho que mostra a existência de Deus.
Sem fé, é impossível reconhecer a Deus
E o primeiro passo é exatamente o da fé. Se o ateu e o agnóstico só terão fé depois de terem argumentos racionais, então Deus jamais se revelará a eles. Como diz o versículo que abre este texto, Deus não se agrada da falta de fé. Quem quiser se aproximar d'Ele não pode ter dúvidas de que Ele existe.
Quando há fé, porém, a mão de Deus é enxergada nos piores momentos. Enquanto vê o navio cargueiro que levava a sua família afundar no Oceano Pacífico, Pi busca forças na esperança de vê-los novamente e confessa esta crença em meio ao desastre. Nas horas de grande dificuldade ou quando bênçãos inesperadas surgem, Pi sempre ora e mostra gratidão. Quando Santosh mostrou a Pi a crueldade da vida pela primeira vez, a fé do jovem indiano vacilou. Mas quando Pi conheceu a crueldade do mundo em toda a sua intensidade...vendo uma tempestade levar sua família, tendo que lutar com um tigre por comida, guardando ansiosamente gotas de água da chuva e até tendo que mudar seus hábitos alimentares...ele recuperou, com uma intensidade ainda maior, a sua fé de que Deus (ou deuses) existem.
Para Pi, é impossível entender a sua história sem enxergar pequenos milagres que o mantiveram vivo. Mas os ateus são como os japoneses no final do filme. Deus e seus milagres são a fantasia de um jovem, o delírio de um náufrago. Quando os religiosos contam sobre como Deus os ajudou a enfrentar a morte ou a doença, o ateu se surpreende em ver como os homens encontram força em uma mentira.
Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação, já não há quem faça o bem. (Salmo 14:1)
Há um propósito por trás de todas as coisas
Mas a fé de Pi é maior do que simplesmente acreditar que Deus existe. Ele crê em algo maior: que há um propósito divino em tudo o que acontece, mesmo nas piores peças que a vida nos prega.
Acreditar nisso traz paz em meio à angústia. Impressiona-me ver como o jovem Pi não explode em um acesso de raiva ou de desespero ao longo do filme. Não sei você, mas eu explodo com muito menos. Um pneu furado, uma batida de carro, uma conta que não foi paga e pronto...pode ser o suficiente para que eu passe o resto do dia deprimido, perguntando ao Senhor o que fiz para Ele me tratar assim e fique mal-humorado, tendo que me controlar para não descontar em outros a minha frustração.
Não é que Pi seja um "super-homem". Ele tem altos e baixos. Mas, mesmo lá, ele não se esquece que tudo tem uma razão de ser. Quando ele não entende nada e se frustra, ele ora e se rende diante de Deus. Confessa a sua ignorância sobre a razão de seu desastre e se entrega nas mãos de um Deus que ele não sabe quem é. 
E essa perseverança é recompensada no final, quando Pi mostra a gratidão mais inusitada de todas. Ele agradece a Deus por ter mantido um tigre com ele em todo o naufrágio! Reconhece que, sem aquele animal, ele não sobreviveria!
E é aqui que o hindu é mais cristão e reformado do que muitos cristãos reformados. Se, verdadeiramente, aplicássemos a Bíblia ao nosso dia-a-dia, seríamos gratos a Deus em todas as situações. Nos momentos de tribulação e nas perdas, quando Deus nos diz não, entenderíamos que o Senhor quer nos ensinar algo. Viveríamos com a esperança de que o mal de hoje pode ser o bem de amanhã. O desespero jamais nos dominaria, porque Deus está no controle de tudo. 
Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. (Eclesiastes 11:4)
O que Pi não ensina
São belas lições de uma história muito bonita. Entretanto, "As Aventuras de Pi" não é perfeito. Piscine Pattel sabe que Deus existe e que seus infortúnios são uma prova disso. Mas ele não sabe quem é o verdadeiro Deus.
Na verdade, Pi não é um homem de várias religiões, como o filme tenta mostrar. Ele é e sempre foi um hindu. Quem acredita em 33 milhões de deuses, pode acreditar em 33 milhões e dois. Quem se vê culpado em várias religiões, pode acomodar mais uma ou duas em sua cosmovisão. Pode definir-se como um hindu católico. A miscigenação de fés não é algo estranho para um politeísmo tão profuso como o indiano.

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